Floresta Amazônica: desmatamento causa impactos no planeta
Depredação gera desequilíbrio ambiental e afeta a rica biodiversidade
“Com toda essa diversidade de climas, solos, relevos e ambientes distintos, conectados geograficamente ou não, a Amazônia é considerada a maior floresta tropical e maior banco genético do planeta, com mais de 1,5 milhões de espécies vegetais catalogadas, além de três mil espécies de peixes e 950 espécies de aves, e uma rica diversidade de répteis, anfíbios, mamíferos e insetos, muitos deles ainda nem catalogados pelos cientistas”, complementa Adriana Maria Imperador, doutora em Ciências da Engenharia Ambiental e professora da Universidade Federal de Alfenas (Unifal).
Há ainda muitos “tesouros” guardados na Floresta Amazônica. “É importante ressaltar que, devido a sua extensão, parte de sua biota (conjunto de seres vivos de um ecossistema) ainda não foi identificada, o que aumenta ainda mais sua importância para a biodiversidade mundial”, diz Branco. De acordo com Adriana, muitas destas espécies podem trazer benefícios imensuráveis ao homem, como a cura de doenças, servir como fonte de alimento, para a produção de remédios e cosméticos, além trazer benefícios ecológicos e ambientais.
A Amazônia, segundo a pesquisadora, também apresenta grande diversidade étnica com comunidades tradicionais indígenas, ribeirinhas e de seringueiros, que vivem dos produtos extraídos da floresta e são possuidoras de conhecimento empírico hoje muito valorizado e resgatado por estudiosos do mundo todo.
Desmatamento
Mas por que uma área tão rica em recursos naturais não recebe a proteção adequada e tem o desmatamento como sua maior ameaça? Conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em
Para o pesquisador, a exploração seletiva de madeira também representa uma importante ameaça à integridade da Amazônia. “Há uma lógica perversa que indica que os Estados da Amazônia que mais produzem madeira são também os que mais a desmatam”, ressalta.
Branco, por outro lado, acredita que atribuir à criação de gado o papel de grande vilã do desmatamento é injusto. “Outros vetores são também importantes. A pecuária se expande para as áreas de floresta por ser literalmente empurrada para essas áreas, visto que é uma das atividades que menos remunera a terra. Quando ocorreu a expansão da cultura da cana-de-açúcar no Sudeste para a produção de etanol, por exemplo, tivemos um deslocamento da pecuária e de outras culturas para as áreas de terra com menor custo de oportunidade, o que inclui a Amazônia”, esclarece. O desmatamento é uma consequência de várias forças que resultam na ocupação sem planejamento da floresta. “A construção de estradas de rodagem é uma delas, pois as rodovias fomentam o desmatamento ao longo de seus eixos, o que ocorreria em intensidade muito menor se construíssemos ferrovias”, defende.
Já Adriana destaca as origens históricas do desmatamento: “a Amazônia ficou esquecida durante mais de quatro séculos e as populações que habitavam este ambiente permaneceram praticamente isoladas. Durante o governo de Getúlio Vargas (1930-1945), a ocupação foi estimulada por um programa de avanço das fronteiras”, aponta. Somente na década de 1970, expõe ela, a ocupação se deu de forma mais efetiva com a política de “integrar para não entregar”. “Desde então, muitos brasileiros migraram para o norte do país com a intenção de ganhos imediatos à custa da derrubada da floresta. Esta ocupação desordenada repercutiu no desmatamento com vistas à urbanização, à criação de gado e às práticas agrícolas”, destaca.
Impactos
O desmatamento reduz a biodiversidade, causa erosão dos solos, degrada áreas de bacias hidrográficas, libera gás carbônico para a atmosfera, reduz a umidade do ar, causa desequilíbrio social, econômico e ambiental. “A redução da umidade na Amazônia pode reduzir as chuvas na região centro-sul brasileira e até mesmo de outros países. Em 2005, quando a região amazônica sofreu com uma das maiores secas já registradas, o impacto atingiu áreas distantes e acarretou a perda de diversas culturas agrícolas no sul do Brasil e norte Argentina, com um prejuízo incalculável e perdas irreversíveis”, exemplifica Adriana.
Além das questões climáticas, o desmatamento causa também muitos prejuízos para a biodiversidade. “Com a perda de habitat, as espécies desaparecem, e com elas se perdem os serviços ambientais que nos prestam: metade da farmacopeia conhecida tem origem em extratos naturais e em substâncias presentes em diversos seres vivos. Compostos medicinais de origem natural são descobertos regularmente e, como parte da biodiversidade amazônica ainda é desconhecida, estamos perdendo esse patrimônio mesmo antes de conhecê-lo”, lamenta Branco.
Para Higuchi, as emissões causadas pelo desmatamento são irracionais. “Eu diria que o desmatamento na Amazônia contribui com 2/3 das emissões brasileiras. É difícil aceitar estas emissões como racionais porque a Amazônia contribui com menos de 8% na formação do produto interno (ou doméstico) bruto do Brasil”. Branco explica que a Floresta Amazônica se comporta como um enorme reservatório de carbono atmosférico: “Durante o seu crescimento, as árvores removem enormes quantidades de CO2 da atmosfera – metade da biomassa das árvores é constituída de carbono. Com o desmatamento, todo esse carbono é reemitido para a atmosfera, o que contribui ainda mais para o aumento do efeito estufa”, realça.
Como combater
Para coibir o desmatamento, de acordo com o pesquisador do Inpa, é necessário simplesmente cumprir as legislações vigentes. Ele acredita que as ações tomadas até agora não têm sido suficientes por falta de gente para impor as leis. Branco concorda: “As ações tomadas pelo poder público são vitais, mas não bastam. A grande iniciativa do governo consiste nas metas adotadas pela Política Nacional de Mudança do Clima, que prevê a redução do desmatamento para cerca de 20% dos níveis observados no período 1996-
Adriana cita medidas adotadas no Acre em que a prática do manejo florestal é uma alternativa ao padrão de exploração dos recursos naturais na região. “Minha pesquisa de doutorado pela Universidade de São Paulo (USP), em parceria com a Embrapa, abordou aspectos da Certificação Florestal Comunitária para Produtos Florestais não Madeireiros e apontou que é possível desenvolver e ao mesmo tempo cumprir critérios que indiquem uma postura sustentável que seja ecologicamente correta e viável, e socialmente justa”. Ela destaca também a criação de unidades de conservação de uso sustentável, determinada pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC, 2000), que estimula o uso sustentável da floresta.
Créditos de carbono
Segundo Branco, ações de preservação na Floresta Amazônica podem gerar créditos de carbono. “Já existem alguns projetos demonstrativos
Adriana pontua que a existência da floresta não confere ao Brasil hoje o direito de utilizar este grande mérito como crédito de carbono. “Porém, seria uma estratégia interessante do governo investir na inclusão de suas áreas florestais nessa proposta, pois serviria como incentivo à manutenção da Floresta Amazônica e demais áreas florestais contidas em seu território.”
Entretanto, Higuchi lembra que, quando o crédito de carbono surgiu como mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL), em 1997, no Protocolo de Quioto, houve grande expectativa para a proteção das florestas tropicais por meio, principalmente, da recuperação das áreas desmatadas. “No entanto, de 1997 até os dias atuais não há nenhum MDL-florestal aprovado na Amazônia. O crédito de carbono funcionou como ‘ouro de tolo’ naquela região”, lamenta.
Em relação à nova alternativa para proteger as florestas conhecidas como Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (Redd, em inglês), Higuchi defende que são necessários projetos consistentes. “O fracasso do MDL-florestal pode ser atribuído à falta de bons projetos. O mesmo pode ocorrer com o Redd se não houver bons projetos, porque esse mercado é muito exigente. Isso significa a utilização de métodos confiáveis, replicáveis e auditáveis”, finaliza.
Floresta Amazônica não é o pulmão do mundo O mito de que a Floresta Amazônica é o pulmão do mundo surgiu associado ao mecanismo de fotossíntese e respiração das árvores, que têm capacidade de absorver o dióxido de carbono (CO2) e liberar o oxigênio (O2). Já o pulmão, ao contrário, absorve o oxigênio durante a inspiração e libera o dióxido de carbono durante a expiração. “Para enterrar de vez este mito, temos que pensar em escala também: na atmosfera há 21% de oxigênio e 0,04% de dióxido de carbono. Por mais que a Floresta Amazônica tivesse uma troca gasosa favorável com a atmosfera, a quantidade seria insignificante”, detalha Niro Higuchi, do Inpa. “A grande maioria do oxigênio presente na atmosfera é produzida por algas nos oceanos, de modo que a contribuição das florestas em geral para a produção líquida desse elemento é pequena. Mas a Amazônia tem um papel importantíssimo para o clima global, que é a estocagem de enormes quantidades de carbono atmosférico”, acrescenta Magno Branco, da Iniciativa Verde. |